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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Azar ou simplesmente burrice?

Sabe quando você pensa que algo vai dar errado e dá?

Pois é, quando isso acontece, como normalmente reagimos? Eu não sei se posso afirmar categoricamente isso, mas eu particularmente - e praticamente todos que eu conheço - costumo me achar "zicado". Fato de que eu SOU azarado, muitas coisas bizarras e imprevisíveis parecem acontecer com mais frequência na minha vida do que na dos outros.

Mas quando o perigo pode ser avaliado e medido e mesmo assim optamos por ir contra todos os sinais, contra a probabilidade das coisas, ainda sim é azar? Se algo é passível de acontecer com qualquer um de nós, com a mesma probabilidade e não acontece com o seu vizinho ou seu colega de trabalho, mas acontece com você, isso é sorte (deles), azar (seu), uma fatalidade ou simplesmente burrice?

Concordo que vivemos em um mundo onde "sair de casa" já é algo relativamente perigoso. Se você vai a pé, pode ser assaltado no ônibus ou em qualquer momento em que estiver andando. De carro não muda muita coisa - ou você é assaltado dentro dele, ou te furtam quando você resolver deixar ele estacionado na rua.

Concordo também que viver pensando que isso tudo VAI acontecer não é produtivo. Primeiro porque alimentamos um medo desnecessário de viver (que abordei superficialmente no post anterior). Depois porque realmente não é algo que podemos prever ou controlar, logo, é uma perda de tempo ficar pensando nisso. Então por motivos práticos, acabamos nos programando mentalmente para aceitar essas fatalidades (eu diria, essas merdas) pra podermos seguir com nossas vidinhas.

Mas por exemplo, se você fosse uma mulher bonita, com um belo corpo e saisse com uma roupa EXTREMAMENTE chamativa, com um decote avantajado, uma saia extremamente curta, de salto alto, toda maquiada, perfumada, realmente vistosa e sensual e resolve caminhar sozinha às 2h da manhã por uma região onde notoriamente há pessoas bêbadas e/ou drogadas e tipos suspeitos, o que você acha que aconteceria? Ser violentada seria apenas uma questão de azar? Esse é um exemplo simplório, polêmico e apelativo sim, mas é para ilustrar como normalmente costumamos atribuir as desgraças que acontecem conosco a fatores externos, incontroláveis.

[Que fique claro que eu não defendo qualquer ato COVARDE de violência gratuita contra qualquer ser humano (mulher, homem, gay, idoso, mendigo, criança, etc). Tampouco estou defendendo que violência sexual seja justificável. Não é. A questão aqui não é o estupro, por isso não vou discutir sobre isso agora - daria um post inteiro e até mais.]

Peguei um caso simplista, absurdo e hipotético, justamente por ser também o cenário normalmente imaginado quando se menciona a palavra "estupro". A escolha desse exemplo foi para ilustrar as nuances entre RESPONSABILIDADE E CULPA. Em Direito, o termo "culpa" é sinônimo de responsabilidade. Responsabilidade por um ato, fato, atitude que tenha resultado em um desfecho que pressuponha dano ou prejuízo material ou moral. Ou seja, um médico que pratica uma cirurgia, comete um erro e o paciente venha a sofrer danos irreversíveis ou a morte é CULPADO. Um motorista de ônibus que atropela um ciclista é CULPADO. A culpa no campo jurídico nada implica em INTENÇÃO ou má-fé, mas sim a atribuição da responsabilidade.

Inclusive, para quem nunca parou para pensar a respeito, responsabilidade não signfica mais do que "responder por algo". Responsabilidade está ligado à "obrigação" que alguém carrega de responder por algo ou alguém. Quantas vezes não ouvimos "Quem é o responsável desta área?", em acordo com "Quem é o encarregado?". A responsabilidade então assume um caráter de "fardo", de "obrigação" e por que não dizer, até de "zelo"? A culpa por outro lado, já assume um caráter NEGATIVO da responsabilidade (ou não responsabilidade, negligência), quase como se implicasse na incapacidade do responsável de executar suas incubências da forma adequada/esperada/prevista/"correta". O médico faz um juramento e sabe que é responsável pela vida de seus pacientes - sabe que um "erro" não implica apenas em uma punição formal, seu emprego ou sua reputação, mas a vida de um ser humano. Se seu paciente morre por um erro seu, ele falhou com sua responsabilidade - executou mal aquilo que lhe era exigido. A culpa sempre está ligada a um desfecho indesejado, um desvio, um erro, uma fatalidade. Por isso culpa também é o sentimento de remorso, dor e arrependimento ligados à noção de responsabilidade que um tem sobre determinado evento. Quando "algo ruim" acontece, de um vaso quebrado dentro de casa a um relatório impreciso dentro de uma emprea, quantas vezes tentamos achar o "culpado"?

Voltando ao exemplo do estupro, por mais que seja um absurdo imaginar que uma situação dessas seja verdade, já ouvimos casos de juízes preterindo vereditos em que a vítima foi acusada de ser culpada pelo ato, pois "provocou" o agressor estando vestida de tal forma. Sem entrar nas discussões morais (e sem me chamar de machista, por favor), devemos levar em conta que nada é "isolado". Temos que levar em conta o contexto, o cenário, a realidade. No exemplo hipotético que citei, por mais ridículo e absurdo que seja, alguém consegue imaginar que um estupro NÃO aconteceria? Ou então, mesmo sem justificar o ato, não é fácil racionalizar e pensar "bom, também ela quase pediu por isso né?". Como quando vemos um domador de leões - ou de jacarés, se faz alguma diferença - sendo mordido pela fera. Então nesse caso específico que citei, embora a vítima não "desejasse" ser violentada, ela estava ciente dos perigos de sair trajada de tal forma em tal região. Por mais que estupro seja um crime, por mais que a culpa seja do agressor, devemos facilitar ou criar oportunidades para que isso aconteça? Se você está ciente dos perigos e riscos e mesmo assim resolve ir contra "o bom senso" e se arriscar, por mais que a CULPA seja de quem comete o crime, você não tem responsabilidade também por ter "facilitado"?

Outro exemplo: o Canadá é bastante conhecido pela baixa criminalidade a ponto de em várias cidades as pessoas não terem o hábito de trancarem as portas de suas casas. Isso para nós que vivemos no Brasil é quase absurdo, mas a realidade lá é essa. Não significa que se você deixar a porta aberta e um ladrão entrar e roubar metade das suas coisas, a culpa será sua. Mas se você fizer isso aqui e for roubado, aposto que 90% das pessoas que soubessem do fato iriam acham que sim, você foi "em parte" responsável pelo próprio roubo - e possivelmente você é um idiota.

Aí eu finalmente chego onde queria chegar: o quanto nos abstemos de nossas "culpas" o tempo inteiro. Sempre que acontece uma "cagada", normalmente soltamos (ou ouvimos) um "Ah, mas eu não sabia!". Balela. Não sabia o cac*te. Talvez você não soubesse de todos os riscos envolvidos, mas você PENSA, não pensa? Consegue somar 1+1? Consegue ler, observar, ouvir o que os outros dizem? O fato de você não saber especificidades ou detalhes não implica que você não possa SE INFORMAR. E não implica que você tenha o direito de errar simplesmente por não saber. Errar por omissão ou falta de conhecimento não descaracteriza o erro.

O problema é que acabamos transferindo essa atitude de "não é comigo" ou "a culpa não é minha" para tudo em nossas vidas. A culpa (ou parte dela) é sua sim, cara!!! Você namora há mais de dois anos com a mesma pessoa e sabe que ela é "desligada", distraída e meio "aérea". Porra, como você vai reclamar que ele(a) vai sair pra tomar um chopp com os amigos e esqueceu que no final de semana vocês tinham combinado de ir naquela festa super-chata daquela sua amiga que ele(a) viu uma vez e nem lembra o nome? Por favor né?

Ou então você pára seu carro na rua em uma região que rola muito furto, sabendo que a merda do modelo que você tem ainda por cima é MUITO fácil de roubar e consequentemente, muito visado pelos criminosos e depois vai ficar choramingando porque levaram seu rádio e seu estepe?

Sabe aquele seu amigo que SEMPRE se atrasa? O cara é enrolado e demora no mínimo duas horas pra sair de casa depois do horário combinado. Como você ainda fica puto quando você marca uma coisa e ele chega 3 horas depois?

Nós nos acostumamos demais a achar que o problema são sempre "os outros" ou "as coisas". Nunca somos nós. Não é porque eu fui imprudente que meu carro foi roubado, foi puro "azar". Não, minha namorada não terminou comigo porque além de vagabundo eu sou insensível e não presto atenção nela, não, a gente terminou porque não rolava mais "química" entre nós. Não, aquela entrevista de emprego não deu em nada porque aquela entrevistadora era uma idiota que só falava besteira, e, pensando bem, eu nem precisava daquele emprego. O fato de eu sempre quebrar a cara com as mesmas pessoas é puro azar. As vezes bate de estarmos de mau humor ao mesmo tempo, sei lá. Deve ser alguma coisa dos astros e tal. É coisa do acaso... Não, porra! É burrice, burrice de errar constantemente e insistir nos mesmos erros!

Antes eu pensava "como sou azarado". Depois passei a perceber que "a culpa é  minha". Hoje sei que "eu sou mesmo é burro pra caralho".

Cagada demais na vida é burrice e nada mais...

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